segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

VIVER SEMPRE TAMBÉM CANSA


Viver sempre também cansa
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
Ora é azul, nitidamente azul,
Ora é cinzento, quase verde
Mas nunca tem a cor inesperada

O mundo não se modifica
As árvores dão flores
Folhas, frutos e pássaros
Como máquinas verdes

As paisagens também não se transformam,
Não cai neve vermelha
Não há flores vermelhas que voem
A lua não tem olhos
E ninguém vai pintar olhos à lua

Tudo é igual, mecânico e exacto

Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem, riem e digerem.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
Discursos de Mussolini
Guerras, orgulhos em transe,
Automóveis na corrida.

Pois não era mais humano
Morrer por bocadinho,
De vez em quando,
E recomeçar depois,
Achando tudo mais novo?

Ah! Se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
Morrer em cima de um divã
Com a cabeça sobre uma almofada,
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia,
“ Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela”

E virias depois, suavemente,
Velar por mim, subtil e cuidadosa
Pé ante pé, não fosses acordar
A Morte ainda menina no meu colo.

José Gomes Ferreira


Ainda quanto à carta de amor: porque é que ninguém disse que amar é um acto de entrega total, dormir e desdormir nessa única tarefa? Já amaram mesmo a sério sem actos de vitimização egoísta?

Aquela poeta também escreveu…”dizer-te que nada de impuro se alojará na curva da minha vida onde tu passaste e que aquele que não soube honrar-te quando te possuía ainda consegue ver claramente através das suas lágrimas e honrar-te no seu coração, onde a tua imagem jamais morrerá".





terça-feira, 23 de janeiro de 2007

CARTA DE AMOR

Meu amor, eis-me aqui. Escreveste-me uma carta muito triste, meu pobre anjo, e eu também chego bem triste. Queres que nos voltemos a ver, e eu também o desejo, mas não receies da minha parte, criança, a mais pequena palavra, a mais pequena coisa que te possa fazer sofrer um instante sequer. Encontremo-nos, pois, querida alma, e achar-te-às inteiramente confiante e verás a que ponto te pertenço, de corpo e alma, verás que eu já não sinto nem dor nem desejo, confia em mim, Deus sabe que eu jamais te farei mal. Recebe-me, choremos ou riamos juntos, falemos do passado ou do futuro, da morte ou da vida, da esperança ou do sofrimento: eu já não sou nada a não ser aquilo que tu farás de mim.
Deixa–me viver da tua vida; o país para onde vais será a minha pátria, a tua família será a minha família; lá onde morreres, também eu morrerei, e serei sepultado na terra que te receber.
Deste modo, basta uma palavra tua, marca a tua hora. Será esta tarde? Amanhã? Quando quiseres, quando tiveres uma hora, um instante para perder. Responde-me uma linha. Se for esta tarde, tanto melhor, Se for daqui a um mês lá estarei.
Será quando não tiveres nada que fazer, a única coisa que eu tenho de fazer é amar- te.

Teu
Alfred Musset George Sand

sábado, 20 de janeiro de 2007

ALGUMAS QUESTÕES


Em termos do seu relativo desconforto, em que ordem posiciona os seguintes:
- um passeio nu em público;
- ser cuspido por uma multidão;
- ser preso por roubo numa loja;
- pedir dinheiro num aeroporto?

Qual é a coisa mais embaraçosa que consegue imaginar?

Porque é que se sente incomodado em fazer má figura em frente de estranhos?

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

CONTINUAÇÃO

-Bom, achei a senhora interessante. O que se diz dela, isso tu sabes- tanto quanto pude observar de longe, ela devia ter tido um grande passado. Pareceu-me que ela tinha amado todo o tipo de homens e que os tinha conhecido a todos, mas que não tinha suportado nenhum por muito tempo. E é bonita.
- A que chamas bonita?
- Muito simples, não tem nada de supérfluo, nada em demasia. O corpo é bem feito, ela domina-o, atende à sua vontade. Nada nela é indisciplinado, nada falha, nada é indolente. Não sou capaz de me lembrar de nenhuma situação a que ela não tenha contraposto o máximo de beleza. Foi precisamente isso que me atraiu, porque o naif, para mim, é maçador. Procuro uma beleza consciente, formas educadas, cultura. Não, nada de teorias!
- De preferência não.
- Deixei-me portanto envolver e fui lá algumas vezes. Não tinha na altura ninguém, isso via-se facilmente. O marido é uma figura de porcelana. Comecei a aproximar-me. Uns quantos olhares por cima da mesa, uma palavra baixinho quando se brindava, um beijo na face demasiado longo. Ela aceitou, à espera do que viria a seguir. Aceitou encontrar-se.
- Quando estava sentado à frente dela, percebi logo que não havia lugar para métodos. Por isso disse-lhe simplesmente que estava apaixonado e que me punha À sua disposição. Seguiu–se então mais ou menos o seguinte diálogo:
“ Falemos de coisas mais interessantes”
“ Não há nada de mais interessar a não ser a Senhora. Vim para dizer isso. Se a aborrecer, vou me embora”
“ Mas então o que quer de mim?”
“ Minha querida senhora!”
“ Querida! Não o conheço e não o amo!”
“ Vai ver que não estou a brincar. Ofereço-lhe tudo o que sou e o que posso fazer, e poderei fazer muita coisa, se for por si “
“ Sim, é o que todos dizem. Nunca há nada de novo nas vossas declarações de amor. O que é que quer então fazer para me arrebatar? Se realmente me amasse, há muito que já teria feito alguma coisa.”
“ O quê, por exemplo?”
“ Isso deve o senhor saber. Podia ter jejuado durante oito dias, ou pelo menos ter escrito poemas.”
- “ Não sou poeta”
“ Porque não? Quem assim ama transforma-se em poeta, em herói por um sorriso, por um aceno, por uma palavra daquela que ama. Se os poemas não são bons, são no entanto ardorosos e cheios de amor.”
“ Tem razão, minha senhora. Não sou poeta, não sou herói, e também não me vou matar. Ou, se o fizer, será de mágoa pelo facto de o meu amor não ser tão forte e ardente como a senhora pode exigir. Mas em vez de tudo isso tenho uma vantagem em relação ao amante ideal: compreendo-a.”
“ O que é que compreende?”
“ Que a senhora tem saudades, tal como eu. Não deseja quem a ame, mas gostaria de amar total e disparatadamente. E não é capaz.”
“ Acha?”
“ Acho. Procura o amor tal como eu o procuro. Não é assim?”
“ Talvez”
“ Por isso também não pode precisar de mim e não vou incomodar mais. Mas talvez ainda me possa dizer, antes de me ir embora, se alguma vez, alguma vez mesmo, encontrou o verdadeiro amor”
“ Talvez uma vez. Já percorremos todo este caminho, pode ficar a saber. Foi há três anos. Tive a sensação de ser verdadeiramente amada.”
“ Posso fazer-lhe outra pergunta?”
“ Esteja à vontade. Apareceu um homem que me conheceu e me amou. E como eu era casada, não me disse nada. E quando viu que eu não amava o meu marido e tinha um favorito, veio ter comigo e propôs-me que desfizesse o casamento. Não era possível, e a partir de então esse homem preocupou-se comigo, observava-nos, avisou-me e tornou-se no meu maior apoio e amigo. E quando me afastei do favorito, por sua causa, e estava pronto a aceitá-lo, desprezou-me e foi se embora e nunca mais voltou. Ele amou-me, mais nenhum.”
“ Compreendo”
“ Ora então vá se embora, sim? Já talvez tenhamos dito coisas demais um ao outro”
“ Felicidades… melhor, eu não volto.”
O meu amigo calou-se, chamou o criado passado um bocado, pagou e foi- se embora. E desta conversa, entre outras, cheguei à conclusão que lhe faltava a capacidade para amar verdadeiramente. Ele próprio o tinha dito. E temos de acreditar nas pessoas quando falam das suas limitações. Há muita gente que se acha perfeita, apenas porque não tem muitas reivindicações. O meu amigo não faz isso e pode ser que precisamente o ideal que tem de um verdadeiro amor o tenha feito ser como é. Talvez o espertalhão simpatizasse comigo e possivelmente aquela conversa com a senhora Maria fosse uma simples invenção. Porque ele é secretamente um poeta, de tal maneira luta contra isso.
Simples suposições, talvez enganos….

Fim

Gostaram desta escrita ao século passado?
Comentários?
Vão aparecer mais textos sobre o amor, a amizade, os grandes e os pequenos afectos, as mágoas, o sofrimento, a felicidade.
E mais literatura de muita gente. Talvez a seguir venha Shakespeare, muito mais Hesse, o amor à mesa, a ternura com luz e as maluqueiras da cabeça de cada um.

UMA PEQUENA HISTÓRIA DE AMOR

O Tomás, meu amigo, é, sem dúvida, entre todas as pessoas que conheço, a que tem mais experiência no amor. Pelo menos esteve ligado a muitas mulheres, conhece as artes de fazer declarações de amor pela muita prática que teve e pode ufanar-se de muitas conquistas. Quando me fala delas, fico com a impressão de ser um menino de escola. Aliás, penso às vezes que ele não percebe mais do que eu da verdadeira essência do amor. Não acredito que na sua vida tenha passado muitas noites em claro por causa de uma paixão e que as tenha passado a chorar. De qualquer modo isso não lhe teria sido necessário muitas vezes e não tenho inveja dele, porque, apesar dos seus êxitos, não é um homem alegre. Além disso, vejo-o muitas vezes preso de uma leve melancolia, e todo o seu porte tem um toque de calma e abafada resignação, que não tem nada a ver com a saciedade.
Bom, isto é suposições e talvez enganos. Podem escrever livros e livros sobre psicologia, mas não é possível penetrar nas pessoas e eu também não sou psicólogo.
De qualquer modo pareceu-me que o meu amigo Tomás não passava de um virtuoso nos jogos de amor, porque lhe faltava qualquer coisa para aquele amor que não é jogo, e que era um melancólico porque reconhecia e lamentava essa falha em si próprio. Puras suposições, talvez enganos.
O que ele me contou há pouco tempo sobre a senhora Maria pareceu me estranho, embora não se tratasse propriamente de uma vivência nem sequer de uma aventura, mas apenas de um estado de espírito: uma anedota lírica.
Encontrei-me com Tomás quando ele ia mesmo a sair do habitual café e convenci-o a tomar comigo uma garrafa de vinho.
Ficou satisfeito e, em breve, com um bom vinho, estávamos a conversar. Com todo o cuidado levei a conversa para a senhora Maria. Uma linda senhora com pouco mais de trinta anos que vivia na cidade havia ainda pouco tempo e tinha fama de ter tido muitas paixões.
O marido era uma nulidade. Sabia há pouco tempo que o meu amigo se dava com ela.
_ Ah, a Maria – disse ele, acabando por seguir a conversa - , se ela te interessa assim tanto. O que é que queres que diga? Não tive nada com ela.
- Nada?
- Ora, seja o que for. Nada que eu possa de facto contar. Seria preciso ser poeta.
Ri – me.
- Tu até nem tens os poetas em grande estima.
- Porquê? Os poetas são na maior parte das vezes pessoas que não vivem nada. Posso dizer-te: aconteceram-me na vida já mil e umas coisas que poderiam ser escritas. Pensei muitas vezes por que razão não vive um poeta uma coisa destas para que não se perca. Vocês fazem sempre um barulho danado à volta do que é natural, toda a porcaria serve para um romance inteiro.
- E essa estória com a senhora Maria? Também é um romance?
- Não. Um esboço, um poema. Um estado de espírito, sabes.
- Pronto, sou todo ouvidos.

(continua )

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

PEQUENOS DIÁLOGOS SOBRE A VIDA

O rosto do mundo mudou.

A maior revolução do século xx foi a revolução das mulheres.
É verdade, não riam: as revoluções mais importantes são aquelas que mudam as mentes das pessoas.

O feminismo está na base da mudança das formas de personalidade, questionou a heterosexualidade, o patriarcado, o seu poder, a sua auto estima, a violência que exercia (e ainda exerce). E como deus era representado homem o igualitarismo feminino entrou em confronto directo com as religiões tradicionais: basta também pensar nos novos tipos de família e suas consequências. Fiquem se só com esta para a maioria de nós chocante: os estudos mais sérios mostram maior estabilidade afectiva nas crianças educadas por homossexuais.

Porquê? Porque parece que para afirmarem a sua identidade são mais dedicados…

O feminismo colocou a questão: quem tem mais capacidade de arrastar: os que nos levam a uma sociedade mais igualitária, democrática e capaz de corrigir problemas ou os que tendem para uma sociedade individualista, que não cuida da conservação da natureza, competitiva, implacável e auto destrutiva?

E sublinhou a questão da identidade e multiculturalismo.

Por isso hoje, observa-se uma importância crescente da identidade na organização social, nos projectos individuais e colectivos.
Quando falamos de identidade falamos das formas de ser e aqueles valores que dão sentido à vida da gente, um sentido mais importante que outros objectivos, como o dinheiro ou o poder.

Não basta viver, é preciso razões para viver.

E aqui há diálogos sobre a vida importantes: aborto, fecundação assistida, adopção, doação de órgãos, células estaminais, eutanásia.
Doloroso falar sobre a complexidade, delicadeza, liberdade de consciência, auto determinação e dignidade no aborto?

Acordarmos sobre o que deve ser o progresso da ciência e da técnica na fecundação medicamente assistida e dialogar sobre os problemas morais que se levantam?

Pais biológicos ou adoptivos questão de amor? E entre seres humanos do mesmo sexo? E por um só?

Parte de nós noutros quando morrermos?

E os embriões congelados? Destruí-los?

E o uso de células estamina para curar doenças graves, como o Alzheimar ou Parkinson e outras, com o perigo do geneticamente puro e clones?

A ciência vai tão avançada!

E o fim da vida? O prolongamento da vida humana física é o princípio absoluto? E o sofrimento e a dignidade humana?

Querem falar sobre isto em que há tanto a dizer?

Ou preferem voltar a falar de como é bom o amor, os sonhos, a felicidade perdida, a amizade, a arte, a literatura, o cinema, a música.

Talvez haja espaço para tudo e não apenas ficções do interludio, cobrindo coloridamente o marasmo e a decidia da nossa intima descrença.

Não me batam!!!!

domingo, 7 de janeiro de 2007

UM OUTRO OLHAR SOBRE O MUNDO

“ Um homem pode, se tiver verdadeira sabedoria, gozar o espectáculo inteiro do mundo numa cadeira, sem saber ler, sem falar com alguém, só com o uso dos sentidos e a alma não saber ser triste”.
Quem disse? Sabem? Um doce...
Hoje o nosso planeta enfrenta uma grave crise ecológica e numerosos recursos naturais diminuem. A humanidade chega aos limites de uma exploração finita.
Em breve, lá para 2050, a presença de 10 mil milhões de seres humanos, que hão de querer comer, lavar-se, vestir-se e viver dignamente impõe que se reflicta sobre a partilha de recursos cada vez mais raros.
A situação actual não incita ao optimismo.
As zonas naturais degradam-se, a biodiversidade decresce, os recursos em água, em matérias primas, em energia desvanecem-se, a miséria não recua, as desigualdades sociais são gritantes, os conflitos étnicos, religiosos e económicos crescem, os egoísmos nacionais, sociais e pessoais multiplicam-se.
Nós somos, talvez, a primeira geração que possui os meios técnicos e o conhecimento do funcionamento global do planeta para proporcionar um desenvolvimento harmonioso, para transmitirmos às novas gerações um mundo onde se possa viver com novas regras politicas, económicas, sociais, onde os modos de produção, os hábitos de consumo e os métodos de governo sejam diferentes.
Há quem chame a isto pensar o desenvolvimento sustentável.
Pensam nisso?
Quem escreveu aquilo lá de cima também disse que sentir é uma maçada.
Mas não é verdade.
Poder saber pensar! Poder saber sentir! Isso sim!

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

UM OLHAR SOBRE O MUNDO

O amor torna-nos tolerantes perante o mundo.
Em época de balanço, se amamos, somos brandos nos juízos.
Alguém se lembra como viviam há 40 anos os nossos pais?
E o que se passou daí para cá aqui no nosso cantinho agradável?
Entrámos na União Europeia e que salto, não só material, como na mudança de mentalidades e aquisição de conhecimentos.
Há pobreza e descontentamento, o nível de expectativas aumentou e somos mais exigentes: pertencemos ao melhor do mundo.
A democracia para os mais novos é uma banalidade, deixámos de ser emigrantes, falamos a mesma língua que muitos milhões.
A informação, o conhecimento e as tecnologias andam a mudar a nossa visão das coisas.
Tivemos dificuldades, mas quem não as tem?
Claro que ainda não vencemos a fome e a doença no mundo, a guerra assumiu outras formas, não há à vista paz universal: basta ler as notícias, os conflitos, as democracias à beira de plutocracias.
Optimismo?
Talvez…Mas o filósofo, para dar força, dizia: pessimista por dentro, optimista por fora.
Será que tem razão?”